quinta-feira, 23 de agosto de 2018

METADE DAS CONDENAÇÕES EM 2ª INSTÂNCIA É MODIFICADA PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Por Lu Sudré
Do Brasil de Fato


O Brasil ocupa o quarto lugar no ranking de países com maior número de pessoas presas, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. O dado foi apresentado em 2015 pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), do Ministério da Justiça. Em junho de 2016, ainda segundo o Infopen, o número de pessoas encarceradas no Brasil chegou a mais de 726 mil.

No entanto, a superlotação do sistema prisional brasileiro aumentará ainda mais com a decisão do STF que permitiu a prisão após condenação em segunda instância. Esta é a avaliação de Elmir Duclerc, promotor de Justiça criminal em Salvador (BA).

“O próprio Supremo já decidiu, há alguns anos [2015], que o sistema carcerário brasileiro constituiu um estado de coisas inconstitucional, porque viola flagrantemente o princípio mais importante da Constituição: a proteção da dignidade humana. Mas no momento seguinte, dá uma decisão que permite que aquilo que já é ruim fique ainda pior”, denuncia o promotor e professor de processo penal na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Dados da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPE-SP) apontam que, desde a decisão do STF em 2016, somente o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP) expediu 13.887 mandados de prisão com base na nova jurisprudência.

Crítico à decisão, Thiago Cury, coordenador do núcleo especializado de situação carcerária da DPE-SP, relata ser muito comum alterações de penas e, até mesmo, absolvição de condenados nas instâncias superiores. Segundo ele, em 2017, 44% das decisões recorridas pela Defensoria de São Paulo ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) foram modificadas positivamente, com redução de pena ou absolvição dos acusados.

O cenário se repete no Rio de Janeiro. Conforme informações da Defensoria Pública fluminense, 49% dos habeas corpus apresentados às instâncias superiores atenuaram, quantitativa ou qualitativamente, a pena imposta por instâncias inferiores.

“Admitir que as decisões sejam executadas sem a possibilidade de acesso aos tribunais superiores é uma ação temerária, porque leva pessoas a cumprirem penas acima do que seria legalmente admitido”, enfatiza Cury.


Prisões indevidas, danos irreparáveis

Casos disponibilizados pelas Defensorias exemplificam as consequências danosas da aplicação do novo entendimento do STF. Um deles é o de Marcus Vinicius, condenado em primeira instância no Rio de Janeiro por tráfico de drogas privilegiado (quando o réu não tem antecedentes e não integra uma organização criminosa, o que são causas para diminuição de pena) a um ano e oito meses de prisão, em regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade. Contudo, ao aceitar apelação do Ministério Público, o Tribunal de Justiça cassou em segunda instância a substituição da pena e a aumentou para quatro anos e dois meses, em regime fechado. Somente com o recurso especial, julgado dois anos depois, o STJ restabeleceu a pena original em regime aberto.

Se a decisão de segunda instância fosse executada de imediato, Marcus Vinicius teria cumprido, indevidamente, a pena em regime fechado, com meses excedentes de privação de liberdade, que nunca lhe seriam restituídos.

Já em São Paulo, em 2010, o jardineiro Felipe Eduardo e o servente de pedreiro Jorge Carlos, ambos negros, foram condenados em segunda instância a oito anos de reclusão, em regime fechado, por tráfico de drogas e associação ao tráfico. Sete anos depois, o STJ os absolveu. Caso a pena fosse cumprida após decisão do TJ-SP, os dois trabalhadores teriam cumprido a pena de maneira ilegal.

A pedido da Defensoria Pública, os sobrenomes dos envolvidos foram suprimidos.

Exemplos internacionais

Um dos principais argumentos utilizados por quem apoia a prisão em segunda instância é o de que, na maioria dos países, a execução da pena pode ser realizada mesmo antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Porém, segundo Juarez Tavares, subprocurador-geral da República aposentado e autor de várias obras de referência na área penal, tais pressupostos estão equivocados.

“É uma argumentação que não corresponde à realidade, porque há uma certa ignorância em relação aos demais regimes”, critica.

Tavares, que também é professor titular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), ressalta que “em todos os países, exige-se a sentença penal condenatória transitada em julgado para a execução da pena”.

Na Alemanha, exemplifica, o parágrafo 449 do Código de Processo Penal afirma que só é possível a execução da pena quando todos os recursos forem esgotados. Segundo ele, outros artigos do Código alemão preveem ainda que, quando há apelação ou recurso especial, a execução da pena deve ser suspensa.

O professor esclarece ainda que o artigo 27 da Constituição da Itália também impõe expressamente a exigência do trânsito em julgado para a execução da condenação. O mesmo se repete no artigo 32 do Código de Processo Penal português, que defende a presunção da inocência, assim como a Constituição brasileira.

Usar os Estados Unidos como modelo favorável à prisão em segunda instância também não é correto, pondera o jurista, uma vez que, em várias decisões da Corte Suprema daquele país, só se executa a sentença penal condenatória depois do trânsito em julgado.

Campanha

A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) lançou, no dia 16 de julho, um abaixo-assinado em defesa da presunção de inocência. A iniciativa faz parte de uma campanha em torno da garantia deste princípio e pretende mobilizar outros setores da sociedade. O resultado da coleta de assinaturas, uma das principais atividades da campanha, será entregue ao STF em setembro.

A ABJD é uma associação nacional de juristas criada para reagir e combater a retirada de direitos fundamentais e defender o Estado Democrático de Direito. A associação é uma proposta de unidade entre diversas categorias de juristas. Entre eles, estão juízes,desembargadores, advogados, defensores públicos, professores, servidores do sistema de Justiça, promotores, procuradores estaduais e municipais e estudantes de Direito.

* Fonte: site da PCr Nacional

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