domingo, 25 de julho de 2021

25 de Julho: Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha

 Setor da Mulher Encarcerada da Pastoral Carcerária Nacional

O Dia da Mulher Negra Latina Americana e Caribenha, memorado em 25 de julho, reforça a luta histórica das mulheres negras por sobrevivência em uma sociedade estruturalmente racista, misógina, machista, e nos faz refletir sobre a vida dessas mulheres.

Lembremos da líder quilombola Tereza de Benguela, símbolo de luta e resistência da comunidade negra e indígena, que representava, enfrentando a escravidão por mais de 20 anos.

Em seu nome e de tantas mulheres que foram e são importantes para nossa história, é que também seguimos.

Mais da metade da população brasileira é negra, segundo dados do IBGE, e em especial as mulheres negras protagonizam os piores indicadores sociais do país.

De acordo com o Atlas da Violência de 2019, 66% de todas as mulheres assassinadas no país naquele ano eram negras.

Além disso, 63% das casas chefiadas por mulheres negras estão abaixo da linha da pobreza, de acordo com a última Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE. Contudo, uma vez garantida a vida e superada a miséria, os desafios continuam.

Apesar de, pela primeira vez, os negros serem maioria nas universidades públicas, como aponta a pesquisa “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil” do IBGE, mulheres negras ainda recebem menos da metade do salário de homens e mulheres brancas no Brasil, independente da escolaridade.

E são a principal vítima de feminicídio, das violências doméstica, obstétrica e da mortalidade materna, além de estarem na base da pirâmide socioeconômica do país.

O sistema prisional também é seletivo e tem cor. De acordo com o Infopen Mulheres (2017), somadas as mulheres encarceradas de cor/etnia pretas e pardas totalizam 63,55% da população carcerária nacional, ou seja, grande parte dos presídios femininos são compostos por mulheres negras.

Esse pode ser considerado um perfil de mulheres que ilustra o reflexo de décadas de escravidão. As regiões norte e nordeste são as mais impactadas pelo regime coronelista até os dias de hoje, concentrando um maior número dessa população: no Acre, trata-se do total de 100%, na Bahia, 92% e no estado do Ceará, 94% das mulheres encarceradas são negras.

As mulheres negras precisam enfrentar, além do preconceito racial, o de gênero, e aqui fazemos alguns recortes do ser mulher negra cis e mulher LGBT, sobretudo o grupo T, que são alvos de diversas práticas preconceituosas e por vezes violentas.

Além da sobrecarga estigmatizada por serem mães, são tidas como “irresponsáveis” ou “oferecem riscos às suas crianças”. Em sua maioria, elas se veem sozinhas quando inseridas na prisão, pois, o abandono de seus parceiro(as) e familiares é ainda maior devido a um julgamento a respeito do suposto fracasso como mulher, esposa e mãe.

A mulher negra é invisibilizada diante da sociedade, não possui voz, e precisamos fazer essa reflexão de como o presídio feminino pode agravar ainda mais esses estigmas, ao invés de cuidar para que essa mulher negra consiga se ver sendo parte da sociedade, com seus direitos respeitados e oportunidade de mudança de vida.

Apesar de estarmos apontando um lugar de dor experienciado por essas mulheres negras, é importante que a reflexão volte algumas casas, resgatando o processo histórico de escravização, onde corpos negros foram dominados, encarcerados e mercantilizados.

Vínculos familiares foram rompidos e foi plantada a semente da discórdia entre as diversas nações africanas, amontoadas em cubículos apertados. Esta cena se reflete no antiquado novo processo de dominação. Um sistema penal implantado para controlar e lucrar com pessoas colocadas em situação de marginalidade e vulnerabilidade. Após 130 anos da falsa abolição, ainda é possível se deparar com os descendentes daqueles corpos negros outrora arrancados do continente africano sendo dominados, encarcerados em massa e colocados nos planos de privatização, gerando rendimentos lucrativos às instituições que administram as unidades prisionais.

As mulheres mães e gestantes se assemelham ao processo que foi a Lei do Ventre Livre, uma vez que seu corpo é dominado/encarcerado mas apenas o útero é livre, possibilitando a libertação do nascituro. Libertação essa que por vezes é brusca, rompendo violentamente os vínculos familiares, a relação e culpabilização entre mães e filhas(os).

O racismo estrutural ainda atravessa nossas relações e as instituições das quais fazemos parte. A prisão feminina no Brasil é um exemplo de instituição que reproduz essa realidade com violência, pois apresenta de forma escancarada a reprodução da exclusão e marginalidade das mulheres negras.

O sistema de encarceramento é seletivo e o Poder Judiciário brasileiro prende, julga e condena as mulheres sem nem ao menos levar em consideração possíveis medidas alternativas.
Ao visitarmos os presídios femininos do Brasil, nos deparamos com a feminização e o enegrecimento nas prisões, sugerindo a perpétua dominação e consequentemente o aumento prejudicial dessa população.

Os supostos motivos que as aprisionam estão relacionados sobretudo à participação no mundo do tráfico, roubos e furtos; relacionados muitas vezes à parte econômica, desemprego e a classe social.

A população negra sofre opressão e exclusão social antes mesmo de adentrar ao sistema. Precisamos refletir a respeito das vivências das mulheres negras que se encontram no regime fechado e colaborar no desenvolvimento de políticas públicas para potencializar essas vidas no seu retorno à sociedade, tendo em vista o quão estigmatizante é este sistema.

As experiências e vivências das mulheres negras deveriam ser levadas em consideração pelo sistema prisional e não se pautar em uma sociedade estruturada no racismo, sexismo, lgtbfobia e machismo.

É necessário pensar em vias alternativas e na correta execução da Constituição Federal, bem como de portarias específicas para o desencarceramento das mulheres: as condições de cidadania necessárias à prevenção a todas as violências que sofrem, o atendimento social às demandas de formação para o trabalho, saúde e educação, na busca de um mundo sem cárceres.

Fonte: Pastoral Carcerária Nacional

Referências

BRASIL. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias Infopen Mulheres, Ministério da Justiça, 2017. Disponível em : http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/copy_of_Infopenmulheresjunho2017.pdf .

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao.htm .

 

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Dica de Leitura para Estudos da Justiça Restaurativa: “Reflexões e Exercícios para Aliviar as Feridas do Coração”

 

Os agentes de Pastoral Carcerária que já fizeram os cursos de Justiça Restaurativa sabem bem que o autocuidado é parte importante da formação. Os círculos de paz e a ESPERE (Escola de Perdão e Reconciliação) preza pelo autoconhecimento e pela capacidade de se expressar dos participantes.

Pensando nisso, viemos trazer uma dica de leitura e estudo para todos os integrantes de JR e também para aqueles que desejam começar a trilhar este caminho na própria vida. O livro “Reflexões e Exercícios para Aliviar as Feridas do Coração” é uma obra escrita pelo professor Marcelo L. Pelizzoli no intuito de explicar e levar o leitor a uma prática diária de observação interior.

Tempo, paciência, disciplina e foco são primordiais para iniciar e continuar o processo. No decorrer da vida criamos mecanismos de defesas que acabam nos influenciando na maneira de olhar e interpretar o mundo. Os acontecimentos nos marcam e nos deixam rastros que, por hora, tentamos esquecer e evitar relembrar.

Os primeiros passos oferecidos no livro é descobrir quando o comportamento é identificado como defesa ou proteção. Há diferença nas reações, pois a primeira está no inconsciente e se trata de uma reação instantânea, já a outra é consciente e benéfica para a saúde psíquica e emocional.

Enquanto agentes de Pastoral Carcerária e facilitadores (as) é importante se abrir e conhecer a si mesmo. Ao adentrar o cárcere as camadas de preconceito e o impulso de julgamento devem ser superados e deixados de fora, pois valorizamos toda a pessoa humana e sua integridade física, mental e espiritual, independente do motivo que a levou para o sistema prisional.

Quer queira ou não, quando estamos feridos e não nos tornamos conscientes da própria história, reproduzimos atos cristalizados em nossa educação e isso prejudica como vemos o mundo. De fato, o autoconhecimento não é um processo fácil, mas é um dos caminhos de cuidar de si mesmo e ajudar os irmãos e irmãs mais necessitados.

Para acessar o PDF e começar a caminhada de autoconhecimento é só clicar abaixo e dar o start nas etapas e cuidar do sofrimento do seu coração ferido. “A gratidão e o amor por si mesmo, pelos outros e pela vida que aliviam as feridas do coração” (trecho retirado do livro).

Livro “Reflexões e Exercícios para Aliviar as Feridas do Coração”

Texto: Maria Ritha Ferreira da Paixão 

Fonte: Pastoral Carcerária Nacional

sexta-feira, 9 de julho de 2021

PCr realiza assembleia com representantes estaduais para debater fechamento do cárcere e tortura

 

Nos dias 18 e 19 de junho ocorreu a assembleia virtual da Pastoral Carcerária. Participaram 30 pessoas, representando os estados do país, além da coordenação nacional da PCr.

A assembleia se iniciou com uma oração e partilha da realidade carcerária nos estados. Um ponto muito semelhante, relatado pela maioria dos coordenadores presentes, foi o fechamento e a dificuldade de acesso ao cárcere na maioria dos estados brasileiros.

No dia seguinte, o Padre Gianfranco Graziola, assessor da PCr Nacional, iniciou os trabalhos, falando sobre a Pastoral como Igreja em Saída e a visão do Papa Francisco, seguido por D. Henrique, bispo referencial da PCr Nacional.

Irmã Petra, coordenadora nacional da Pastoral Carcerária, e Lucas Gonçalves, assessor jurídico, falaram sobre a questão da prevenção e combate à tortura nos cárceres e os eixos que PCr Nacional tem para executar essa prevenção.

Medidas como o atendimento jurídico de agentes da pastoral e familiares, encaminhamentos de ofícios e denúncias, articulações com outras entidades de direitos humanos, nacionais e internacionais e a incidência na mídia foram destacados.

Em seguida, os participantes avaliaram a importância da PCr nacional ter como uma de suas prioridades a prevenção à tortura, e relataram diversas situações de casos de torturas e denúncias pelo país. Por fim, Vera Dalzotto, assessora da PCr Nacional para a questão da Justiça Restaurativa (JR), pediu que os presentes enviassem por email uma avaliação sobre a importância da JR nos Estados e no trabalho da PCr Nacional como um todo.

Com as respostas, será produzida uma compilação, para trabalhar o tema de forma mais efetiva.

Fonte: Pastoral Carcerária Nacional

sexta-feira, 2 de julho de 2021

A importância do trabalho de facilitadores na Justiça Restaurativa

 


A Pastoral Carcerária, desde 2009, tem se comprometido na formação de facilitadores nos métodos/filosofia da Justiça Restaurativa (JR). O primeiro curso ofertado pela PCr Nacional foi a metodologia ESPERE (Escola de Perdão e Reconciliação). Agentes da PCr de diversos estados iniciaram os primeiros passos da JR e voltaram com o objetivo de multiplicar o curso ESPERE e práticas restaurativas nas suas comunidades e no sistema prisional. A formação proporcionou aos participantes possibilidades de trabalharem entre outros o autoperdão e facilitação de círculos.

Padre Gianfranco Graziola participou da primeira turma e até hoje guarda aprendizados que aplica no seu dia a dia: “Eu aprendi a ser assertivo na comunicação. ” E ressalta uma postura tranquila também de escuta, sempre em contínuo crescimento.

Este autoconhecimento é fundamental quando se trata de nossa vida e da vida de outras pessoas. É preciso estar bem e enfrentar os próprios dilemas da vida para, enfim, ajudar o próximo nas suas dores, feridas e cansaços, a fim de leva-los ao autoperdão.

Os facilitadores são agraciados por se tornarem articuladores de escuta empática, por zelar pelos elementos estruturais de um círculo, e por assegurar uma maneira diferente de resolução de conflitos. Uma vivência que se autorregula na condução do passo a passo de um roteiro, que é revestido dos elementos estruturais. É a partir dos ensinamentos da Justiça Restaurativa, que os facilitadores aprendem a lidar com as diversas experiências da vida e gestam um modelo restaurativo, frente ao paradigma punitivo instituído nas prisões.

Existem inúmeras maneiras de trabalhar as situações conflituosas, e a história de cada pessoa influência diretamente no processo. Por isso, é possível pensar que os facilitadores são formados e desafiados para buscar um novo modo de olhar a vida diante das diversas realidades.

Sirley Aparecida Trindade Barreto foi uma das facilitadoras pioneiras na Justiça Restaurativa, que terminou o curso decidida a levar as práticas restaurativas para o seu estado do Mato Grosso do Sul. A agente relata ter relutado muito, mas decidiu ir e enfrentar todas as etapas do curso.


Após várias tentativas de implantar a formação de novos facilitadores na sua região, Sirley decidiu levar as práticas restaurativas para dentro da unidade prisional masculina da cidade de Coxim. Os resultados foram satisfatórios e geraram outra dinâmica na convivência entre os privados de liberdade.

Hoje, após 12 anos, a agente partilha histórias marcantes socializadas dentro das unidades, e afirma terem sido momentos de reviravolta em sua vida. A importância da sua presença neste ambiente abriu as portas para que os rapazes pudessem desabafar e estabelecer um novo modo de convivência entre si.

Fonte: Site da Pastoral Carcerária Nacional