terça-feira, 27 de abril de 2021

Pe. Gianfranco Graziola: Ressuscitar é se deixar tocar pela misericórdia de Deus

 

Fiquei impressionado mais uma vez pela capacidade de Papa Francisco que, seja os teólogos e como os adeptos do fundamentalismo religioso consideram fraco e insignificante, em nos dar em poucas pinceladas o sentido da MISERICÓRDIA DIVINA.

É importante entender de onde vem aquela palavra que, para Jorge Mário Bergoglio, hoje Francisco, bispo de Roma é quase uma obsessão ao ponto que ela volta constantemente nos seus discursos e por ela forjou até um verbo: «misericordeando». E digamos foi até além convocando um ano jubilar extraordinário dedicado a um tema que em sua vida é central já visualizado por seu predecessor São João Paulo II ao fazer do II domingo da Páscoa o Domingo da Misericórdia Divina. A MISERICÓRDIA centro e motor de uma ação pastoral e eclesial da Igreja em saída, não mais autorreferencial, não mais dona de uma verdade estéril, simplesmente acadêmica , mas rica de uma experiência que vem da Igreja das periferias, enlameada, hospital de campanha, onde ela se faz samaritana, companheira de viagem, mesmo numa realidade turbulenta, trocando impressões sobre os acontecimentos do tempo presente, cuidando das doenças e das chagas das pessoas
de nosso tempo e colocando na prática do dia a dia a revolução da ação redentora do próprio Jesus cuja preocupação não era a lei, mas a pessoa.

Para compreender melhor qual é a raiz que sustenta e anima a Francisco, devemos ir até seu lema episcopal «Miserando atque eligendo» . Ele partindo da vocação e chamado do publicano Mateus e de uma homilia de São Beda, o Venerável, monge beneditino, doutor da Igreja sobre os Evangelhos, relê neste fato o chamado que Deus lhe faz: «Jesus ia a passar, quando viu um homem chamado Mateus, sentado no posto de cobrança dos impostos, e disse-lhe: “Segue-Me”».

Não o viu tanto com os olhos do corpo, quanto com o seu olhar interior, cheio de misericórdia. Jesus viu um publicano, compadeceu-Se dele, escolheu-o e disse-lhe: «Segue-Me», isto é, imita-Me. Convidou-o a segui-lO, mais que com os passos, no modo de viver. Porque «quem diz que permanecem Cristo deve também proceder como Ele procedeu» (1Jo 2,6).

Mas Francisco, não parou por aqui, ele continua deixando-se olhar pelos olhos compassivos do mestre experimentando constantemente sua misericórdia, que por sua vez doa mesmo a quem, como o cardeal Becciu se desviou do caminho, celebrando com ele a Ceia do Senhor da última quinta Feira Santa. De fato, o bispo de Roma é profundamente convencido que as transformações dos discípulos do Senhor acontecem a partir de fatos concretos que expressem e façam experimentar o abraço paterno, materno, carinhoso e misericordioso de Deus.

Ele expressou isso mais uma vez isso na homilia do II Domingo da Páscoa – Domingo da Misericórdia Divina. Após sua ressurreição, ele disse que, Jesus realiza a «ressurreição dos discípulos»; e estes, solevados por Jesus, mudam de vida. E isso não acontece antes, apesar de muitas palavras, exemplos do Senhor, mas agora, depois da Páscoa isso acontece e se verifica sob o signo da misericórdia. Jesus levanta-os com a misericórdia. Sim, levanta-os com a misericórdia e eles, obtendo misericórdia, tornam-se misericordiosos.

E Francisco afirma que os discípulos e nós recebemos a MISERICORDIA através de três dons que Jesus nos faz: a PAZ, o ESPÍRITO, as suas CHAGAS. Em primeiro lugar, DÁ-LHES A PAZ. Não traz uma paz que, de fora, elimina os problemas, mas uma paz que infunde confiança dentro. Não uma paz exterior, mas a paz do coração. Aqueles discípulos desanimados recuperam a paz consigo mesmos. A paz de Jesus fá-los passar do remorso à missão. De facto, a paz de Jesus suscita a missão. Não é tranquilidade, nem comodidade; é sair de si mesmo. A paz de Jesus liberta dos
fechamentos que paralisam, quebra as correntes que mantêm o coração prisioneiro.

Deus não os condena, nem humilha, mas acredita neles. É verdade! Acredita em nós mais do que nós acreditamos em nós mesmos. «Ama-nos mais do que nos amamos a nós mesmos».

Em segundo lugar, Jesus usa de misericórdia com os discípulos OFERECENDO-LHES O ESPÍRITO SANTO. Os discípulos eram culpados; fugiram, abandonando o Mestre. E o pecado acabrunha, o mal tem o seu preço. Só Deus o elimina; só Ele, com a sua misericórdia, nos faz sair das nossas misérias mais profundas. Como aqueles discípulos, precisamos de nos deixar perdoar, precisamos de dizer do fundo do coração: «Perdão, Senhor». Precisamos de abrir o coração, para nos deixarmos perdoar. O perdão no Espírito Santo é o dom pascal para ressuscitar interiormente.

O terceiro dom com que Jesus usa de misericórdia com os discípulos: APRESENTA-LHES AS CHAGAS. Com a misericórdia. Naquelas chagas, como Tomé, tocamos com a mão a verdade de Deus que nos ama profundamente, fez suas as nossas feridas, carregou no seu corpo as nossas fragilidades. As chagas são canais abertos entre Ele e nós, que derramam misericórdia sobre as nossas misérias. As chagas são os caminhos que Deus nos patenteou para entrarmos na sua ternura e tocar com a mão quem é Ele. E deixamos de duvidar da sua misericórdia. E isso acontece em cada missa onde Jesus nos oferece o seu Corpo chagado e ressuscitado: tocamo-Lo e Ele toca as nossas vidas. E tudo nasce daqui, da graça de obter misericórdia. Daqui começa o caminho cristão.
Só se acolhermos o amor de Deus é que poderemos dar algo de novo ao mundo. Assim fizeram os discípulos: tendo obtido misericórdia, tornaram-se misericordiosos. «Ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas entre eles tudo era comum» (4, 32). Não é comunismo, mas cristianismo no seu estado puro.

Viram no outro a mesma misericórdia que transformou a sua vida. Descobriram que tinham em comum a missão, que tinham em comum o perdão e o Corpo de Jesus: a partilha dos bens terrenos aparecia-lhes como uma consequência natural. E Francisco nos exorte e convida com força: «Não vivamos uma fé a meias, que recebe, mas não dá, que acolhe o dom, mas não se faz dom. Obtivemos misericórdia, tornemo-nos misericordiosos. DEIXEMO-NOS RESSUSCITAR PELA PAZ, O PERDÃO E AS CHAGAS DE JESUS MISERICORDIOSO. Só assim anunciaremos o Evangelho de Deus, que é Evangelho de misericórdia».

Pe. Gianfranco Graziola, IMC

Fonte: Pastoral Carcerária JF

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Questionário sobre coronavírus nas prisões revela que situação no cárcere está muito pior um ano após o início da pandemia

 


 

A Pastoral Carcerária Nacional realizou um novo questionário neste ano de 2021, um ano após o início da pandemia do coronavírus, para ter maior compreensão da situação dos presídios em meio à enfermidade pandêmica.

A metodologia buscou valorizar informações colhidas entre familiares de pessoas presas, agentes pastorais, servidores do sistema prisional, dentre outros, pois estão ou estiveram em contato direto com as principais vítimas da pandemia no sistema carcerário brasileiro: as pessoas privadas de liberdade. É a narrativa das próprias pessoas presas que se espera traduzir na divulgação destes dados.

O questionário foi lançado no dia 11 de março, e foram recebidas 620 respostas em uma semana. Além das informações, as pessoas que responderam enviaram uma série de relatos sobre as diversas dificuldades que vêm sendo enfrentadas. 

Dessas respostas, 336 (54,2%) foram de familiares de pessoas presas, e 176 (28,4%) de agentes da Pastoral.

Os estados com mais respostas foram RS, SP, GO, PR e MT;  todos os estados responderam, com exceção de Tocantins e Sergipe

Em relação às visitas após a pandemia, 73,8% das respostas disseram que as visitas não foram liberadas, 11,8% disse que foram liberadas, 12,2% disse que foi liberada apenas para familiares e 2,1% disse que foi liberada apenas para visita religiosa.

Sobre o material de higiene e alimentos enviado aos presos pelas famílias, 58,8% das pessoas disseram que materiais de higiene e alimentos enviados para as famílias aos presos estão entrando, 20,8%% disse que não e 20,5% não soube responder.

Acesso à Informação

Em relação à obtenção de informações, 27,8% disse obter informações por meio da administração penitenciária, 29% disse que a Administração não fornece informações, 12% afirma obter informações por meio de organizações de direitos humanos e/ou familiares, e 28,8% diz conseguir se comunicar com a pessoa presa através de videochamada, carta ou e-mail. 

 

Grande parte dos relatos recebidos diz que a comunicação com a pessoa presa, neste período de pandemia, é péssima, com os familiares passando muito tempo sem notícias. Da mesma forma, os encontros virtuais são curtos e as pessoas presas não podem falar livremente sobre o que ocorre na prisão, pois são vigiados por agentes. As unidades tampouco informam aos familiares o que está acontecendo lá dentro e como a pessoa presa está caso esta tenha sido infectada. 

“[A comunicação é] horrível, meu marido teve covid, liguei na unidade e não me informaram nada. Ele estava sem receber remédio e alimentação”

 

“A cada dia mais eles delimitam o retorno. Vídeo chamada ocorre com presenças de um agente, as cartas que eram semanais diminuíram para uma lauda a cada 15 dias e só tem resposta se alguém escrever para o preso. Vídeo chamadas demoram meses pra ocorrer”.

 

Sobre se as administrações prisionais têm tomado medidas para impedir o contágio, muitos dos relatos disseram que não; pelo contrário, a principal denúncia recebida nessa questão é a de que muitos servidores sequer usam máscaras, não fornecem informações de prevenção aos presos e, quando fornecem, são informações erradas. 


“A maioria dos agentes penitenciários sequer utiliza máscara. Uma das apenadas que represento chegou a dizer a um advogado que ali dentro não existia mais coronavírus, convicta da informação, passada pelas agentes da unidade”

 

Pessoas presas infectadas com Covid-19 ou que faleceram 

 

56% das pessoas que responderam conhecem alguém com suspeitas ou que tenha contraído o coronavírus na prisão. Os relatos recebidos falam de presos e servidores com o vírus, e também de casos de surtos em algumas unidades, todos não divulgados e nem comunicados aos familiares. 81,3% disse não conhecer alguém que tenha morrido de covid na prisão, e 18,7% disse conhecer. 

Os relatos que a PCr recebeu em relação às mortes são vagos, pois a falta de comunicação e informação é latente. Muitas pessoas dizem ter ouvido algo de familiares ou da mídia.

“Meu marido por exemplo bem no começo da pandemia pegou, graças a Deus está bem, e já teve celas de isolamento com muitos presos contagiados pelo vírus”.

“Meu filho e meu marido pegaram, meu filho foi confirmado e meu marido está com suspeita”.

“Muitos pegaram Covid-19. A maioria se curou ali. Agora, quando tudo parecia mais calmo, já estão surgindo novos casos. Preocupante pois a saúde está em colapso e eles são a última prioridade em todos os sentidos”.

Em relação à vacinação, 83% dos que responderam não sabem como está a situação da vacinação. 16% disseram que as pessoas serão vacinadas, e cerca de 1% disse que as pessoas estão sendo vacinadas ou já foram vacinadas.

O massacre continua

No início de abril de 2020, a Pastoral Carcerária Nacional disponibilizou o primeiro questionário para obter mais informações sobre a situação carcerária no país durante o início da pandemia. Em apenas três dias, recebemos cerca de 1213 respostas.

A pesquisa feita no ano passado mostrou que as visitas às prisões estavam proibidas em praticamente todo o país, alertando para o início do processo de fechamento das prisões para a sociedade civil no geral. 1189, ou 98,4% das pessoas afirmaram que não podiam entrar nas prisões.

Em relação a alimentos e materiais de higiene enviados, 793 (65,9%%) afirmaram que estes não estavam entrando, enquanto em 304 (25,2%) a resposta foi positiva. 107 pessoas responderam (8,9%) que não sabiam se a entrada era possível ou não.

Quanto aos casos de suspeita de COVID-19 entre as pessoas presas, 377 (31,35%) das respostas afirmavam que havia, enquanto que 207 (17,2%) alegaram que não. 621 pessoas (51,5%) não sabiam responder se há ou não suspeitas. 245 pessoas (20,4%) afirmaram saber da existência de pessoas no sistema penal com o vírus, enquanto que 222 (18,5%) disseram que não sabiam de casos concretos. Mais uma vez, um grande número de pessoas respondeu não saber: 736, ou 61,2%.

No questionário realizado em 2020, a PCr analisou que o dado mais impressionante era a quantidade de respostas sobre os mais variados temas que diziam não saber: Isso mostra que as secretarias de administração penitenciária da maioria dos estados não estão sendo transparentes nas medidas que têm tomado para combater a pandemia, deixando a população que necessita dessas informações desamparadas”.

O questionário realizado neste ano mostra que essa situação se consolidou e foi ampliada ao longo de 2020 e neste início de 2021. A falta de informações e a omissão são estratégias de uma política que serve para manter a estrutura torturante do cárcere.  

O fato de termos recebido uma quantia muito menor de respostas de um ano para o outro – 1213, comparando com as 620 de agora – já é, por si só, um sinal deste processo. Muitas pessoas entraram em contato com membros da coordenação da PCr nacional diretamente, dizendo que não iriam responder o questionário pela falta completa de informações. 

O processo de fechamento do cárcere que ocorreu em 2020 fez com que muitas famílias e entidades ficassem no escuro em relação ao que ocorre no interior da prisão, procedimento que dificulta ainda mais a fiscalização e a cobrança de medidas de enfrentamento à pandemia e à tortura.   

As informações que existem – provavelmente imprecisas e subnotificadas por conta desse fechamento dos cárceres, o que nos faz pensar que a situação é muito pior – mostram um cenário muito pior do que no início de 2020. 

A pandemia, que era tida como um problema que não afetaria o sistema prisional, de acordo com o Ministro da Justiça que ocupava o cargo à época, se tornou uma doença que ceifa vidas de presos e servidores. 

O negacionismo e o obscurantismo se tornaram ainda mais presentes nas vozes das autoridades que operam e engendram o sistema prisional, possibilitando e legitimando a expansão da violência pandêmica no cárcere. O Estado sempre nega a dor vivida pelas pessoas presas e seus familiares, e durante a pandemia não foi diferente. Essa dialética entre negar e agredir faz parte da própria engenharia político-econômica do sistema prisional.  

A prevenção é praticamente inexistente, de acordo com os relatos que recebemos; pelo contrário, a contaminação dos presos é usada como uma forma de tortura. A enfermidade se transforma em uma nova arma de violência, responsável pela matança e pelo adoecimento de pessoas negras, pobres e marginalizadas. A pandemia virou mais uma engrenagem de tortura nessa operante máquina de morte que é o cárcere.  

Mais do que desenvolver uma nova arma de violência e atacar os pulmões e as vidas das pessoas encarceradas, mediante, principalmente, tortura respiratória, o Estado escolheu também sufocar as vozes e os gritos dolorosos e desesperados das pessoas que sobrevivem nesses espaços claustrofóbicos. O impacto disso foi uma onda sangrenta de subnotificação, de silêncio, de adoecimento e de morte. 

Os dados e os relatos que recebemos em 2021 revelam a letalidade da pandemia no cárcere, e a inércia proposital por parte do governo e das administrações penitenciárias, que causa mais este massacre nos presídios. E como em todos os outros, é um massacre planejado, anunciado, silencioso e evitável.

 

Povos originários em privação de liberdade durante a pandemia

 

Em razão da invisibilidade e da falta de dados sobre a população indígena privada de liberdade, a Pastoral Carcerária Nacional, em parceria com o Instituto das Irmãs da Santa Cruz (IISC) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), irá também apresentar uma sequência de informações levantadas, em pesquisa empreendida por meio das plataformas de acesso à informações públicas dos estados brasileiros.

Segundo este levantamento realizado no segundo semestre de 2020, o total de pessoas indígenas privadas de liberdade no Brasil era de 1.229, sendo que os sistemas de informação registraram que 1156 seriam homens e 73 mulheres – estes dados referem-se a 23 estados e DF, uma vez que os estados do Acre, Bahia e Tocantins não apresentaram suas respostas no prazo legal. 

Este número aponta para um aumento de 13% na população indígena presa no Brasil, em relação ao mesmo levantamento do CIMI e IISC empreendido no ano de 2019, ou seja, a pesquisa indica que a pandemia também não repercutiu em medidas desencarceradoras para os povos originários privados de liberdade no Brasil.

Foi identificado que os 5 estados que mais encarceram pessoas indígenas no Brasil, são: Rio Grande do Sul (382 pessoas), Mato Grosso do Sul (374 pessoas), Roraima (182 pessoas), Ceará (67 pessoas) e Pernambuco (32 pessoas).

Ainda, as entidades também questionaram as gestões prisionais dos estados a respeito da contaminação por COVID-19 entre pessoas indígenas privadas de liberdade. Ao todo foram observados 7 estados que informaram casos de contaminação: Amazonas, Amapá, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e Roraima.

Os dois estados mais alarmantes e não coincidentemente estão entre os três que mais aprisionam indígenas no país foram: Mato Grosso do Sul e Roraima.

No MS, apenas um único estabelecimento penal do estado, a Penitenciária Estadual de Dourados, foram registrados 85 casos de contaminação entre homens indígenas. Foi apurado que o total de homens indígenas presos nesta unidade era de 163 – ou seja, pelo menos a metade dos homens indígenas privados de suas liberdades nesta unidade foram contaminados pela COVID-19.

Já em Roraima, não foi especificado quantos homens indígenas foram contaminados pela doença, apenas que os casos foram tratados dentro das unidades prisionais, com exceção de um homem que faleceu no mês de agosto de 2020 e que constou em sua certidão de óbito a causa da morte como “insuficiência respiratória aguda; pneumonia por COVID-19”. Já entre as mulheres, em uma só unidade prisional que custodiava 14 mulheres indígenas, metade delas testou positivo para a doença, passaram por tratamento dentro da própria unidade e encontram-se aparentemente recuperadas.

É importante dizer que as lutas pela terra, as omissões do governo brasileiro em garantir as demarcações e a ausência de políticas públicas básicas para pessoas e comunidades indígenas são fatores que contribuem para a inserção destas pessoas nas malhas do sistema de justiça criminal brasileiro.

Estas breves informações acerca do encarceramento dos povos originários no Brasil nos dão pistas que precisamos seguir monitorando e investigando, já que a realidade é de grande subnotificação sobre as condições do aprisionamento destas pessoas e dos reflexos nos povos e comunidades a que pertencem, de forma que a identificação pode ser um primeiro passo para buscar que medidas desencarceradoras efetivas e em larga escala que cheguem até essa população – uma ação de proteção à vida e à saúde em meio ao grave cenário da COVID-19. 

Fonte: Site da Pastoral Carcerária Nacional

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Justiça Restaurativa: a importância de perdoar

 “Prefiro perder a guerra e ganhar a paz”
Bob Marley

A JR (Justiça Restaurativa) é um processo revolucionário que leva a mudanças de posturas em relação ao eu interior e ao outro; É o ato de repensar nossas atitudes e, dessa forma, encontrar a reconciliação conosco e com o mundo.

COMO ALCANÇAR A PAZ ?

“Meus amados irmãos, tenham isto em mente: Sejam todos prontos para ouvir, tardios para falar e tardios para irar-se, pois a ira do homem não produz a justiça de Deus.” (Tiago.1.19)

A paz se dá quando estamos abertos ao perdão , a ESCOLA DO PERDÃO E RECONCILIAÇÃO DIZ PARA DENTRO DE NÓS QUE :

O poder do perdão se mostra como um farol em meio a um mar agitado, escuro e bastante perigoso capaz de nos afundar sem sentimentos, pensamentos e atitudes venenosas que corroem nosso interior.

Perdoar significa que tu está disposto a abrir mão da dor que sente, pois a mesma já tomou tempo suficiente da sua vida, te tirando a paz e o sossego e agora é hora de se transformar em algo positivo e construtivo, romper o círculo da vingança que teima em te machucar.

Perdoar é uma das ATITUDES mais nobres que se pode ter. O perdão desata nós na garganta, conforta corações e promove a paz onde ódio e vingança não tem mais espaço!

Leitura da semana: Como Lidar com a Raiva

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Inspeção no Case de Luziânia revela que jovens não tem acesso ao banheiro durante o dia

 

A Defensoria Pública do Estado de Goiás, junto com o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, realizaram inspeções em três unidades prisionais do Estado em novembro de 2020.

O resultado das inspeções no Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE) de Luziânia, na unidade regional prisional feminina de Luziânia e na Unidade prisional Especial de Planaltina de Goiás, além de recomendações aos órgãos competentes, constam em relatório divulgado em janeiro pela Defensoria e Mecanismo este ano.

Estrutura da unidade

Como todo e qualquer espaço de privação de liberdade, especialmente aqueles destinados à reclusão de adolescentes, a arquitetura estrutural da unidade de Luziânia é sangrenta, aterrorizante e  cruel, atacando profundamente o art. 94 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A inspeção no CASE apontou que obras na unidade não foram concluídas e equipamentos não foram comprados, o que faz com que a estrutura física do local se encontre “bastante desgastada pelo tempo, com marcas de infiltração, ferrugem nas grades, e pelas marcas deixadas pela reforma que não foi concluída, que dá um aspecto degradante, sujo e abandonado. A interdição causada pela reforma não afetou somente os módulos C e D, mas também as salas de uso comuns da equipe técnica e dos agentes, que precisaram ocupar as salas disponíveis de forma improvisada”.

A unidade tem adolescentes e jovens do sexo masculino, com idades entre 12 e 20 anos, em internação provisória e cumprimento de medida socioeducativa de internação. A unidade tinha capacidade para 60 adolescentes, mas após a rebelião de 2017 que interditou dois módulos, a capacidade da unidade passou para 30 adolescentes. No dia da inspeção a unidade contava com 28 adolescentes, sendo três em internação provisória e 25 em cumprimento de medida socioeducativa de internação.

Também chamou a atenção da inspeção a presença de um policial militar como coordenador de segurança, e de policiais militares atuando na porta de entrada do CASE. Essa presença de policiais militares no cotidiano da unidade tem efeitos negativos sobre o processo socioeducativo por trazer uma visão de segurança e disciplina, visto que pode

influenciar as perspectivas de atendimento dos profissionais e o olhar do próprio adolescente sobre sua responsabilização diante a aplicação da medida de internação.

Além disso, os adolescentes e jovens em internação provisória ou em cumprimento de medida socioeducativa não têm acesso ao banheiro durante o dia, recebendo no kit que é entregue a eles quando ingressam na unidade um galão de 5 litros para que façam suas necessidades.

“Durante o dia, quando precisam defecar usam o isopor das marmitas, quando não é possível fazer o deslocamento do adolescente do dormitório ao banheiro no interior do módulo. Além de ser uma prática que produz constrangimento e sofrimento mental para adolescentes internados no CASE de Luziânia, a situação se agrava pela falta de ventilação, não permitindo que odores sejam dispersados e aumentando o mau cheiro no interior dos dormitórios, e pela inexistência de água corrente nos quartos, que impossibilita a higienização corporal e do local após fazer as necessidades fisiológicas. Deve-se enfatizar que a falta de acesso ao banheiro é uma prática cruel, desumana e degradante, visto que os adolescentes são submetidos a uma situação que ataca à dignidade humana e aos princípios previstos no ECA relativos aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes”.

O acesso a água também é restrito, com uma rede hidrossanitária antiga e esgoto a céu aberto, e a rede elétrica é precária, sendo comum ver fios soltos e quedas de energia. Também não há qualquer tipo de prevenção contra incêndios, ponto de atenção e que aponta para a possibilidade de mais uma tragédia anunciada, conforme atesta o relatório: “É bastante preocupante a falta de prevenção contra incêndios, haja vista o histórico estadual com incêndios em unidades socioeducativas, que já resultaram em diversas fatalidades como as ocorridas em maio de 2018 no Centro de Internação Provisória (CIP) em Goiânia-GO. Diante de uma situação, que parece recorrente no sistema socioeducativo estadual, os gestores públicos precisam atuar de forma diligente para adequar o ambiente socioeducativo com medidas preventivas, equipamentos dispostos conforme orientação do Corpo de Bombeiros, protocolos de atuação e treinamento profissional para atuar nessas situações emergenciais.”. 

Saúde e alimentação

Em relação à pandemia, a unidade, segundo o documento, “não possui um módulo ou dormitório exclusivo para isolamento quando da identificação de adolescentes suspeitos ou confirmados de contaminação por Covid-19. Os adolescentes ingressantes na unidade fazem o período de quarentena de 14 dias em Anápolis ou Formosa, quando são transferidos para Luziânia. Foi relatado que um adolescente identificado como suspeito de COVID-19 foi isolado de forma inadequada numa das salas do setor administrativo, de forma improvisada”.

A inspeção também constatou irregularidades na alimentação fornecida aos adolescentes e jovens, com alguns alimentos guardados – que foram doações à unidade – que estavam vencidos desde 2017. “A precariedade da alimentação fornecida na unidade, seja pela péssima qualidade e higiene, seja pelo baixo valor nutricional viola o disposto no art. 94, inciso VIII, do ECA e ao direito humano básico à alimentação adequada, em especial o art. 13, parágrafo único, da Resolução nº 14/94 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária; Regra 22 das Regras de Mandela, Item 37 das Regras de Havana.

Torturas e maus tratos

Em relação à torturas físicas e o uso da força, a inspeção diagnosticou que a presença da PM na unidade, responsável pela guarda do local, é um fator que em si torna o ambiente e a resolução de conflitos violenta. A PM também entrou na unidade em três ocasiões durante 2020.

“Nestas ocasiões foram recorrentes os relatos de constrangimento dos adolescentes sendo colocados apenas de cuecas no pátio em filas, sentados no chão e com as mãos na cabeça (procedimento violador identificado de forma recorrente no sistema prisional), de agressões físicas e verbais, de contenções e manutenção dos adolescentes algemados dentro dos dormitórios e de uso abusivo de armamentos menos letais, como cassetetes, armas de eletrochoque e espargidores durante as intervenções policiais. Assim é possível concluir que essa presença cotidiana da PM retira a responsabilidade dos profissionais da unidade em lidar com as situações de conflito por um viés menos repressivo e punitivo. Nesse sentido, propicia que o uso excessivo da força possa levar à prática de tortura ou outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes”.

Também não há para os adolescentes a existência de uma assessoria jurídica. “Pelas entrevistas realizadas, foi possível constatar a inexistência de assistência jurídica aos adolescentes na unidade. Isso impossibilita a concretização de uma série de direitos dos adolescentes, em especial, o direito à informação adequada em relação ao seu processo, bem como o impede a realização de entrevista reservada com o seu defensor, conforme prevê o art. 124, III e IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente, dificultando, inclusive, a realização de denúncias quanto a eventuais violações de direitos que ocorram na unidade. 88. Assim, atualmente encontra-se absolutamente cerrado o acesso dos adolescentes à justiça, impossibilitando-se que as mais variadas demandas, relacionadas à saúde, educação, condições de internação e, ainda, garantias e direitos processuais, como pedidos de reavaliações, que necessitem de decisão judicial, possam chegar ao conhecimento órgãos do sistema de justiça”.

Os órgãos fiscalizadores também apontaram a raspagem da cabeça de todos os adolescentes que entram na unidade como uma violação de sua identidade. Por fim, foi registrado a prática da revista vexatória, tanto nos jovens e adolescentes, como em seus familiares. 

“Por fim deve-se destacar a prática de revistas minuciosas, íntimas e vexatórias tanto nos adolescentes quanto nos visitantes, antes das restrições da pandemia e atualmente com o retorno das visitas. Os adolescentes são revistados antes e depois de qualquer movimentação feita fora do módulo, seja para atividade interna ou externa ao CASE. Em ambos casos, a pessoa é obrigada a permanecer totalmente despida e a agachar nus perante servidores do sistema socioeducativo. Tal procedimento, conhecido como revista minuciosa, íntima ou vexatória, configura tratamento cruel, desumano, degradante, violador da intimidade e da honra das pessoas, contrário às disposições do art. 5º, III e X, da Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5.2, da Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, art. 5º da Convenção Universal dos Direitos Humanos, art. 7º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e art. 1º da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes”. 

Recomendações

Ao final do relatório, a Defensoria e Mecanismo fazem uma série de recomendações aos órgãos competentes para que as irregularidades constatadas nas unidades deixem de existir. Dentre elas, está a imediata proibição da revista vexatória em todas as unidades socioeducativas do Estado, que a reforma no CASE de Luziânia seja realizada, e enquanto ela não for, que a unidade seja interditada e os adolescentes e jovens sejam transferidos; retomar a entrada de itens pessoais, higiene e artesanato fornecido pelos familiares, fornecer todos os insumos necessários aos adolescentes privados de liberdade, para que os itens trazidos pela família tenham propósito complementar e não suplementar a falta de provimento do estado e aumentar a quantidade e frequência na distribuição de itens de higiene e proteção neste momento de pandemia.

Até o presente momento, os órgãos e as autoridades oficiadas pela Defensoria Pública e pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e combate à tortura não apresentaram respostas. 

 Fonte: Pastoral Carcerária Nacional