quinta-feira, 3 de outubro de 2019

CARANDIRU: DO MASSACRE À LUTA E À ESPERANÇA

Dia 02 de Outubro de 2019 completam-se 27 anos do massacre do Carandiru. Após uma rebelião e a rendição dos presos, a tropa de choque da PM adentrou a Casa de Detenção, sob ordens do então Governador Fleury, e assassinou ao menos 111 pessoas. Essa foi a maior chacina dentro de uma unidade prisional no país, no entanto, tal tragédia, infelizmente, está longe de ser uma catástrofe fora da curva do cotidiano carcerário, mas integra a composição do absurdo que é o funcionamento mortífero das prisões brasileiras.
Em 2017, nos primeiros 10 dias do ano, morreram 10 pessoas nas prisões fluminenses. No primeiro mês do mesmo ano foram ceifadas mais de uma centena de vidas nas prisões de Manaus, Roraima e Rio Grande do Norte.
Em 2019, no mês de maio, em um domingo 15 presos foram mortos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, no entanto, a contagem de corpos não cessou. Depois de alguns dias ao menos 55 pessoas foram encontradas sem vida no Compaj e em outras três unidades prisionais privatizadas do Amazonas: IPAT, CPDM 1 e UPP.
Mesmo com grande volume de verbas (um preso em uma unidade privada chega a custar mais que o dobro de um preso em unidade comum), as unidades privatizadas de Manaus se encontram em situação degradante. Segundo o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a tortura, nestas unidades é parte do cotidiano o racionamento de água, ausência de oferta de trabalho, insuficiência de colchões, falta de medicação, falta de horário e espaço adequados para a realização de visitas íntimas e religiosas com a privacidade e tempo necessários.
Ademais, o massacre durou dias e nada fez o Estado para impedir. Familiares relatam que na segunda-feira que imploraram para os Agentes de Segurança entrarem no presídio para inibirem mais mortes, mas recebeu a resposta “deixem eles se matarem”.
Seguindo a mesma lógica perversa, em julho o sistema carcerário produziu mais 62 corpos em Altamira, no Pará. 58 pessoas foram mortas no Centro de Recuperação Regional de Altamira, no Pará. E depois durante a transferências para Marabá, mais 4 presos foram assassinados.
Ambos os massacres, tanto no Amazonas, quanto no Pará, foram justificados pelo argumento-mantra da guerra de facções. Essa narrativa é muito sedutora, no entanto, retira a responsabilidade do Estado pela barbárie diária do sistema penal, cujo principal objetivo é a produção dor, sofrimento e por fim mortes. A chance de morrer dentro de um presídio é seis vezes maior do que morrer fora das cadeias. Portanto, é repugnante a tentativa de representantes do Estado apresentarem os massacres enquanto fatos isolados, de um suposto momento de crise do sistema carcerário atual.
Além disso, essa narrativa olha para o sistema carcerário como algo isolado. Em Altamira, por exemplo, não se pode ignorar os impactos da construção da usina de Belo Monte. Altamira, antes da construção da usina hidrelétrica, era uma cidade com baixos índices de violência. A chegada das empreiteiras na cidade, no entanto, somado ao aumento vertiginoso da população por conta da obra, mudou a cidade por completo. No ano 2000, a cidade registrava apenas oito homicídios e média de 9,1 mortes por 100 mil habitantes. Em 2015, e após a construção da usina, Altamira era cidade mais violenta de todo o Brasil.
Mais ainda, não assumem o óbvio: os maus tratos, as torturas, as “mortes naturais”, as chacinas e os massacres são responsabilidade da política de encarceramento em massa assumida e colocada em ação pelo sistema penal, confirmada e incentivada pelo conjunto do judiciário e dos poderes Legislativo e Executivo.
Ainda reforçada pelo Presidente Jair Bolsonaro, que declarou que concederia indulto para os policiais que participaram do Massacre do Carandiru. Tal atitude, extremamente cruel, incentiva a política de mortes, pois o Judiciário Paulista ainda não provocou nenhum desfecho definitivo ao caso.
Cada prisão brasileira funciona como uma “fantástica fábrica de cadáveres”, como apontado pelo rapper Eduardo, sendo que os corpos mortos são sempre dos pobres e dos não brancos. A produção industrial de mortes é catalisada, como já foi dito, pela política do encarceramento em massa: de 1992 para 2019 a população carcerária saltou de 100 mil para 820 mil pessoas presas.
A explosão demográfica prisional foi acompanhada pela negligência dos direitos dos encarcerados, que vivem com uma assistência jurídica precária, comendo comida de péssima qualidade ou em quantidade insuficiente, com falta de água e insalubridade, sem assistência médica e psicológica dignas e dormindo em celas hiperlotadas, muitas delas infestadas ratos e baratas.
Se, lamentavelmente, o Carandiru é cotidianamente atualizado nos corpos das pessoas presas e suas famílias, a luta pela superação do encarceramento tem mobilizado familiares de pessoas presas, mulheres e homens que já foram encarcerados, coletivos e movimentos populares e pastorais sociais. Essa luta tem se materializado, desde 2016, nas Frentes Estaduais pelo Desencarceramento, tendo com referencial a Agenda Nacional pelo Desencarceramento.
A Pastoral Carcerária comunga e faz parte dessa luta, já que a Conferência Episcopal de Puebla orienta a sua missão evangelizadora: “As profundas diferenças sociais, a extrema pobreza e a violação dos direitos humanos (…) são desafios lançados à evangelização”. Fecundar a vida, a liberdade e, enfim, a esperança, é fortalecer a luta contra o encarceramento e somar na necessária construção do “mundo sem cárceres.”
*Fonte: Pastoral Carcerária Nacional

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