terça-feira, 8 de outubro de 2019

SÍNODO DA AMAZÔNIA: NOVOS CAMINHOS PARA A IGREJA E PARA UMA ECOLOGIA INTEGRAL


Dom Romualdo Matias Kujawski
Bispo de Porto Nacional e Membro Sinodal
*Pastoral Carcerária Nacional
“Com efeito, sabemos que toda a criação, até o presente, está gemendo como que em dores de parto!” (Rm 8, 22)
Durante os dias compreendidos entre 06 e 27 de Outubro de 2019 realizar-se-á, no Vaticano, o Sínodo que congregará os Bispos da Região Pan-Amazônica, para refletir e partilhar o seguinte tema: “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral”. O documento de trabalho deste Sínodo: “Instrumentum Laboris” foi publicado no dia 17 de Junho deste ano. O texto é composto por 147 pontos divididos em 21 capítulos separados por três partes: A primeira parte se titulada “a voz da Amazônia” e tem a finalidade de apresentar a realidade do território e de seus povos. Na segunda parte, intitulada “Ecologia integral: o clamor da terra e dos pobres,” adverte-se sobre a “destruição extrativista”, abordam questões relevantes como “os povos indígenas em isolamento voluntário (PIAV)” e outros fenômenos de interesse mundial, como “a migração”, “a urbanização”, “a família e a comunidade”, “a saúde”, “a educação integral” e “a corrupção”. Na terceira e última parte do documento, encontramos os escritos sobre os desafios e esperanças da região e incentiva a Igreja a ter um papel “profético na Amazônia”, apresentando “a problemática eclesiológica e pastoral” da região.
Seguem abaixo algumas perguntas e respostas sobre esse tema, que poderão dirimir certas dúvidas que possam existir:

Primeiramente, o que é o Sínodo?

A palavra “sínodo” vem de duas palavras gregas: “syn”, que significa “juntos”, e “hodos”, que significa “estrada ou caminho”. Logo, o Sínodo dos Bispos pode ser definido como uma reunião do episcopado da Igreja Católica com o Papa para discutir algum assunto em especial, auxiliando o Santo Padre no governo da Igreja.
Quais os assuntos serão tratados no Sínodo?

No centro das deliberações será a situação dos povos da Amazônia. O “Instrumentum Laboris” destaca os problemas, que surgem da exploração descontrolada da riqueza natural da Amazônia e afetam a ecologia da Região. Entre os grandes problemas destacam-se os desmatamentos, garimpos descontrolados, grandes projetos hidroelétricos, monoculturas e desrespeito às tribos indígenas, suas culturas e territórios de domínio.
Entre os temas eclesiásticos encontram-se as questões das tradições locais e assistência pastoral no vasto território da Amazônia. Outro ponto, até bastante polêmico é o estudo da possibilidade de, na falta das vocações sacerdotais serem ordenados homens casados, de boa índole moral e provenientes das comunidades locais. Não se pode esquecer que a Igreja sempre cresce e se organiza a partir da Eucaristia. Também devem ser repensadas as funções dos leigos como lideranças nas comunidades, além de ampliar as tarefas destinadas às mulheres.
Quem participará do Sínodo?

Os Bispos Diocesanos de todas as nove províncias eclesiásticas da Região Pan-amazônica, incluindo Bolívia, Brasil, Equador, Peru, Colômbia, Venezuela, Guianas e Suriname. Também participarão alguns membros dos dicastérios da Cúria Romana, membros da eclesial rede Pan-amazônica (REPAM) e representantes do Conselho que prepararam o Sínodo.
Além disso, estarão presentes alguns religiosos que se envolvem pastoralmente na Amazônia, escolhidos pelos Superiores Gerais. O Papa Francisco também nomeou alguns peritos, leigos e eclesiásticos, que ajudarão na redação dos documentos do Sínodo. Terão direito à voz os representantes do “grito do povo” amazonense. O quadro então se completa com os observadores, os delegados das Igrejas Cristas, que atuam na Amazônia e representantes das Instituições e religiões não cristas.
Como trabalhará o Sínodo?

Estão previstos debates, plenárias com a presença do Papa, além dos trabalhos realizados em pequenos grupos de articulação em relação aos assuntos. A tarefa importante de sintetizar os debates cabe ao relator geral do Sínodo, Cardeal Cláudio Humes (Brasil), que é também Presidente da REPAM. Ele terá dois secretários especiais: Dom David Martinez de Aguirre Guinea (Vigário Apostólico de Puerto Maldonado – Peru) e Frei Michael Czerny da Cúria Romana (Dicastério dos Migrantes, Refugiados e Desenvolvimento Integral da Pessoa Humana). Um grande conselheiro que também participará será D. Erwin Kreuter, Bispo Emérito da Prelazia do Xingu do Araguaia (Brasil).
Porque este Sínodo é tão importante para a Igreja?

A Região da Amazônia é chamada de “pulmões verdes do mundo” e por isso é considerado importante em sua influência para o clima de todo o planeta. Assim sendo, todos os abusos ecológicos na Amazônia influenciam negativamente para toda humanidade.
No contexto eclesial, as novas propostas pastorais no território amazonense podem tornar-se modelos para outras Igrejas locais. Com ressalvas é claro, porque não se poderão copiar soluções pastorais na Amazônia em toda a Igreja.
O que acontecerá com os resultados do Sínodo?

Na última semana, os membros do Sínodo trabalharão a redação final do documento, que será entregue ao Santo Padre, o Papa Francisco. Este documento não causará nenhum efeito jurídico. Caberá ao Papa a publicação do documento final, na forma de Exortação Apostólica Pós-sinodal.


quinta-feira, 3 de outubro de 2019

CARANDIRU: DO MASSACRE À LUTA E À ESPERANÇA

Dia 02 de Outubro de 2019 completam-se 27 anos do massacre do Carandiru. Após uma rebelião e a rendição dos presos, a tropa de choque da PM adentrou a Casa de Detenção, sob ordens do então Governador Fleury, e assassinou ao menos 111 pessoas. Essa foi a maior chacina dentro de uma unidade prisional no país, no entanto, tal tragédia, infelizmente, está longe de ser uma catástrofe fora da curva do cotidiano carcerário, mas integra a composição do absurdo que é o funcionamento mortífero das prisões brasileiras.
Em 2017, nos primeiros 10 dias do ano, morreram 10 pessoas nas prisões fluminenses. No primeiro mês do mesmo ano foram ceifadas mais de uma centena de vidas nas prisões de Manaus, Roraima e Rio Grande do Norte.
Em 2019, no mês de maio, em um domingo 15 presos foram mortos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, no entanto, a contagem de corpos não cessou. Depois de alguns dias ao menos 55 pessoas foram encontradas sem vida no Compaj e em outras três unidades prisionais privatizadas do Amazonas: IPAT, CPDM 1 e UPP.
Mesmo com grande volume de verbas (um preso em uma unidade privada chega a custar mais que o dobro de um preso em unidade comum), as unidades privatizadas de Manaus se encontram em situação degradante. Segundo o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a tortura, nestas unidades é parte do cotidiano o racionamento de água, ausência de oferta de trabalho, insuficiência de colchões, falta de medicação, falta de horário e espaço adequados para a realização de visitas íntimas e religiosas com a privacidade e tempo necessários.
Ademais, o massacre durou dias e nada fez o Estado para impedir. Familiares relatam que na segunda-feira que imploraram para os Agentes de Segurança entrarem no presídio para inibirem mais mortes, mas recebeu a resposta “deixem eles se matarem”.
Seguindo a mesma lógica perversa, em julho o sistema carcerário produziu mais 62 corpos em Altamira, no Pará. 58 pessoas foram mortas no Centro de Recuperação Regional de Altamira, no Pará. E depois durante a transferências para Marabá, mais 4 presos foram assassinados.
Ambos os massacres, tanto no Amazonas, quanto no Pará, foram justificados pelo argumento-mantra da guerra de facções. Essa narrativa é muito sedutora, no entanto, retira a responsabilidade do Estado pela barbárie diária do sistema penal, cujo principal objetivo é a produção dor, sofrimento e por fim mortes. A chance de morrer dentro de um presídio é seis vezes maior do que morrer fora das cadeias. Portanto, é repugnante a tentativa de representantes do Estado apresentarem os massacres enquanto fatos isolados, de um suposto momento de crise do sistema carcerário atual.
Além disso, essa narrativa olha para o sistema carcerário como algo isolado. Em Altamira, por exemplo, não se pode ignorar os impactos da construção da usina de Belo Monte. Altamira, antes da construção da usina hidrelétrica, era uma cidade com baixos índices de violência. A chegada das empreiteiras na cidade, no entanto, somado ao aumento vertiginoso da população por conta da obra, mudou a cidade por completo. No ano 2000, a cidade registrava apenas oito homicídios e média de 9,1 mortes por 100 mil habitantes. Em 2015, e após a construção da usina, Altamira era cidade mais violenta de todo o Brasil.
Mais ainda, não assumem o óbvio: os maus tratos, as torturas, as “mortes naturais”, as chacinas e os massacres são responsabilidade da política de encarceramento em massa assumida e colocada em ação pelo sistema penal, confirmada e incentivada pelo conjunto do judiciário e dos poderes Legislativo e Executivo.
Ainda reforçada pelo Presidente Jair Bolsonaro, que declarou que concederia indulto para os policiais que participaram do Massacre do Carandiru. Tal atitude, extremamente cruel, incentiva a política de mortes, pois o Judiciário Paulista ainda não provocou nenhum desfecho definitivo ao caso.
Cada prisão brasileira funciona como uma “fantástica fábrica de cadáveres”, como apontado pelo rapper Eduardo, sendo que os corpos mortos são sempre dos pobres e dos não brancos. A produção industrial de mortes é catalisada, como já foi dito, pela política do encarceramento em massa: de 1992 para 2019 a população carcerária saltou de 100 mil para 820 mil pessoas presas.
A explosão demográfica prisional foi acompanhada pela negligência dos direitos dos encarcerados, que vivem com uma assistência jurídica precária, comendo comida de péssima qualidade ou em quantidade insuficiente, com falta de água e insalubridade, sem assistência médica e psicológica dignas e dormindo em celas hiperlotadas, muitas delas infestadas ratos e baratas.
Se, lamentavelmente, o Carandiru é cotidianamente atualizado nos corpos das pessoas presas e suas famílias, a luta pela superação do encarceramento tem mobilizado familiares de pessoas presas, mulheres e homens que já foram encarcerados, coletivos e movimentos populares e pastorais sociais. Essa luta tem se materializado, desde 2016, nas Frentes Estaduais pelo Desencarceramento, tendo com referencial a Agenda Nacional pelo Desencarceramento.
A Pastoral Carcerária comunga e faz parte dessa luta, já que a Conferência Episcopal de Puebla orienta a sua missão evangelizadora: “As profundas diferenças sociais, a extrema pobreza e a violação dos direitos humanos (…) são desafios lançados à evangelização”. Fecundar a vida, a liberdade e, enfim, a esperança, é fortalecer a luta contra o encarceramento e somar na necessária construção do “mundo sem cárceres.”
*Fonte: Pastoral Carcerária Nacional

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Presa de Pará de Minas levanta o público e vence etapa RMBH do Festival da Canção Prisional – o Festipri


 O último sábado foi de emoção para os presos que cumprem pena em unidades prisionais da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Eles participaram da última etapa do Festival da Canção Prisional – tradicional evento do calendário de ações de ressocialização promovido pelo Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen MG), da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).
Oito músicas autorais foram apresentadas e, desta vez, quem levou o troféu foi Emelly Ludmila Silva de Oliveira, que cumpre pena no Complexo Penitenciário Pio Canedo, em Pará de Minas. A música “Questão de escolha” levou para o público uma mensagem sobre as mazelas da sociedade e sobre todos os problemas enfrentados diariamente pelos cidadãos brasileiros. Os segundos e terceiros lugares, respectivamente, ficaram com o Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto e o Presídio José Abranches Gonçalves, ao ritmo de rock e funk, que também agradaram os jurados e a plateia.
Para Bruna Aguiar Maciel, diretora de Ensino e Profissionalização (DEP) do Depen MG, essa edição do Festipri surpreendeu a todos pelas letras das músicas, originalidade e diversidade de ritmos. “Este evento é muito importante para dar visibilidade para essas pessoas, para mostrar que a arte pode ser expressada mesmo numa situação de privação de liberdade. E é nisto que acreditamos: que a educação, arte, a cultura são fatores essenciais para o processo de ressocialização”.
Nesta última etapa estiveram presentes custodiados que cumprem pena no Complexo Penitenciário Nelson Hungria, Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto, Presídio José Abranches Gonçalves, Presídio Inspetor José Martinho Drumond, Complexo Penitenciário Doutor Pio Canedo, Presídio Promotor José Costa, Apac de Santa Luzia e Apac masculina de Itaúna.
Este festival tem como objetivo o resgate da autoestima do detento e a valorização pessoal, por meio da descoberta de suas habilidades artísticas e musicais. O evento contribui também para o processo de reinserção na sociedade e a busca por novas perspectivas de vida. Em todas as etapas os participantes foram avaliados nos quesitos letra, música, originalidade e interpretação, por um júri composto por músicos e representantes de vários setores da sociedade.
Antes da etapa realizada nesta manhã, em Ribeirão das Neves, outras cinco etapas do festival foram realizadas no Estado. São Lourenço recebeu a etapa Sul de Minas, tendo como vencedor o custodiado Wantuil Oliveira, que cumpre pena no Presídio de Itajubá. Depois foi a vez de Ponte Nova receber o evento. O troféu foi para a dupla Wallace Carlos de Souza e Vitor Jordan, que cumpre pena no Presídio Dênio Moreira de Carvalho, localizado na cidade de Ipaba. Eles conquistaram o público e os jurados com o estilo sertanejo romântico, interpretando a música “Meu Defeito”.
A terceira região do Estado a receber o festival foi a Zona da Mata. Em Juiz de Fora, o vencedor encantou a todos com letra sobre recomeço, tocada no piano. O preso Alexsander José do Nascimento cantou a música “Tudo Novo Se Fará”, que fala sobre a importância de se acreditar em novos recomeços. Pela vitória, Alexsander ganhou um violão e a gravação de seu single em um estúdio profissional.
No Triângulo Mineiro quem conquistou o primeiro lugar foi uma banda formada por oito presos que cumprem pena no Presídio Professor Jacy de Assis, localizado em Uberlândia. O grupo conquistou os jurados com a música “Pare agora e dobre os joelhos”, composta por Hudson Magalhães. A percussão foi feita em carteiras de sala de aula, grande diferencial do evento. No Norte de Minas, em Montes Claros, a campeã foi a dupla do Presídio Regional composta por Pedro Cavalcanti e Luiz Ricardo de Andrade, com a composição “Música para Deus”.
Festipri 2019
Cerca de 350 presos de 50 unidades prisionais da Sejusp e Apacs participaram das seis etapas do Festipri 2019. O festival nasceu em 2006 com o nome Festival da Canção Penitenciária (Festipen), envolvendo presos da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Em 2015, a competição passou a ser denominada Festival da Canção Prisional (Festipri) e, em 2017, o projeto foi expandido para todas as regiões do estado.
Fonte: Site da Seap